quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Por uma palavra, não por uma necessidade



É cediço que as tentações de satanás sobre Jesus tiveram um denominador comum: Sua identidade. O diabo questionou a identidade do Filho sobre ser filho de Deus em todas as propostas que fez. Foi sutilmente preciso, e ainda é, pois essa compreensão foi perdida em dias que o determinante de um crente é o fazer. Quanto mais faz, mais afirmado como cristão é. Se não é envolvido nos afazeres do que a instituição “igreja” limita a Corpo – pode-se dizer seguramente que é apenas uma pequena parte do que representa para Cristo Sua Igreja –, não é fiel, comprometido; não tem valor. E vem a crise. Não fazem, logo não são. Se não são, decepcionados e frustados saem do lugar para onde Deus os chamou. Eis a inversão: somos filhos se fizermos, e não fazemos por sermos filhos. Deus se importa mais com quem somos do que com nossas obras, que, diga-se, não passam de trapos de imundície. 

Isso é tão importante que, apesar de Cristo ter sido humanamente profeta, apóstolo, mestre, evangelista e pastor, Deus o entitulou de Filho. Poderia o Pai ter afirmado Jesus de qualquer outra maneira, para que Ele tivesse uma garantia de seu ministério na terra, mas não. “Eis o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt. 3:17). Porque mais importante para o Pai é que Seu filho soubesse de que Ele, Jesus, era filho. O Filho. Isso bastou. A identidade que o Pai enfatizou sobre Cristo era a de Filho, não a de um ativista atuante através de vários ministérios. Contudo, perdemos nossa identidade e por não sabermos quem somos, perdemo-nos em sentimentos de rejeição, cujos reflexos são necessidades de reconhecimento, auto-afirmação, aprovação, muitas vezes manifestos na supervalorização do fazer. Apenas obras.

Com a nossa identidade de filho abalada, cedemos às mesmas tentações que Jesus sofreu, mas resistiu. 

“Então, o tentador, aproximando-se, lhe disse: Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães” (Mt 4:3).

Ora, Jesus estava há quarenta dias sem comer e sentiu fome. Uma necessidade natural, criada por Deus, de alimentar-se. Nenhum problema em, diante de uma real necessidade, propiciar o que pudesse suprir tal falta. 

Essa tentação sofrida por Jesus, simbolizada pela precisão de comer, necessidade básica orgânica, revela, outrossim, um princípio maior: as necessidades do Homem. 

Na vida moderna, há várias necessidades além de comer e vestir. Na verdade, a meu ver, desencadeiam-se destas. Aluguel, luz, água, supermercado, transporte, escola das crianças, etc. Tantas necessidades que nos rodeiam nos dias de hoje. Natural. São legítimas. Podemos dizer, por um olhar humano, que de fato precisamos de tudo isso. 

Não me refiro, todavia, a outros requintes, caprichos, que a sociedade nos impõe como necessários. Se um rapaz não tem o que impõem-no como necessário, entram em crise, pois não sabem quem são. E observamos até onde são capazes de ir para serem reconhecidos, aceitos, aplaudidos. Escravizam-se para possuirem o melhor carro, o melhor tênis, o melhor celular, a mais bonita garota (que passa a ser um troféu), músculos (por vezes perdem até sua saúde); o melhor em tudo para ser o melhor de todos. Nunca tiveram tanta necessidade disso, com o único fim de serem reconhecidos. E apelam, trapaceiam, enganam. Não porque não são maus, mas porque não sabem da sua identidade. Acabam por viver apenas vaidade, palavra esta que significa literalmente vazio

As garotas, por sua vez, vendem-se por um elogio, a necessidade de afirmação, aceitação, valorização. Deixam a essência de quem são – meigas, confiáveis, benignas, dedicadas, comportadas – e se tornam o contrário do que o Pai diz a respeito de suas filhas. Expõem seu corpo com sensualidade, gastam absurdamente para o esculpirem; com roupas, acessórios ou plásticas. E só. Permitem-se serem os objetos dos homens justamente por não saberem quem são e precisarem de reconhecimento, aceitação.

Ambos são capazes de muito – ou tudo – para terem o aplauso, a valorização dos homens, a glória que o mundo pode dar-lhes. Não se dão conta, mas aceitam tacitamente prostrar-se diante daquele quem pode dar-lhes tudo isso. Tão-somente por não conhecerem sua identidade de filhos. E cedem a mais uma tentação pela qual Jesus passou [e venceu].

"Levou-o ainda o diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e disse: Tudo isso te darei se, prostrado, me adorares” (Mt 4:8-9).

Esta inversão de valores torna o que é supérfluo em essencial. E lutam,e desgastam-se, e angustiam-se por isso como se o fosse verdadeiramente.

Há ainda outros que usam o status de filho de Deus para cobrar-lhE heranças. Uma necessidade incompreensível de ter tudo – inclusive o desnecessário – diante do frívolo argumento de serem herdeiros de tudo nessa terra. São filhos, mas não andam com o Pai e não entendem o nível de sua herança. Pregam a mera prosperidade material. Ainda mais, cobram de Deus, questionando-O sobre as próprias condições e o dever de seu Pai satisfazer-lhes os caprichos. Acreditam que podem tudo porque acham que tem um pai que tem a obrigação de mimá-los. E, novamente, são seduzidos por outra tentação do diabo, mais uma em que Cristo nos ensinou como ser filho.

“[...]Se és Filho de Deus, atira-te abaixo, porque está escrito: Aos seus anjos ordenará a teu respeito que te guardem; e: Eles te susterão nas suas mãos, para não tropeçares nalguma pedra” (Mt. 4:6)

As necessidades nos levam a esquecer quem somos, filhos de um Pai que nos sustenta em tudo o que é de fato necessidade. É quando a ansiedade toma os nossos corações (sim, os nossos) e assumimos o controle de tudo, pois devemos garantir o suprimento de tudo o que é devido do nosso jeito, já que perdemos a fé no tempo e no modo de Deus. Não temos submissão a Ele. Deus, afinal, precisa entender que a nossa necessidade requer uma solução iminente. Se Ele não pode fazer, nós “correremos atrás”. E Ele entende. Só não lembramos, entretanto, que as nossas necessidades, as reais necessidades, são providas por Deus. 

E por isso nos desgatamos com o que não é necessidade. Angustiamo-nos com o que não é primordial; cansamo-nos para assegurar algo para o qual o Pai nem tem olhado, por ter algo maior em outra direção. Ficamos deveras ansiosos por um lugar, uma condição ou uma ‘bênção’ que não corresponde à vontade do Pai. Mas não conseguimos enxergar, porque só ouvimos a voz das nossas necessidades. Não conhecemos a vontade do Pai, não ouvimos o que Ele tem a dizer a respeito, não entendemos o que é mais importante, definitivamente o mais necessário, e continuamos a insistir no suprimento das nossas necessidades, porque são... necessidades; e assim insistimos em tentar convencer a Deus das nossas vontades com o pretexto de necessidades.

Diante de todo este cenário previamente conhecido por Ele, sabedor dos males da humanidade em todos os tempos, Jesus nos ensinou:

“Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt . 4:4).