terça-feira, 9 de agosto de 2011

Um lugar chamado lembrança

Procuro meu reduto, pois lá encontrarei os pedaços rasgados do papel que eu lentamente deixava escapar das minhas mãos e se espalhavam pelo chão com o silencioso vento que cumpria sua rotina. Sim, precisava recapturar as memórias que, pedaço por pedaço, me trariam de volta a minha razão de pensar.

Meus pensamentos me levaram para longe, mas me carregaram consigo. E todos os sentimentos. Enquanto isso, alguns pedaços daquela folha marcada por escritos à caneta eram carregados para longe, pelo sopro que vinha da janela ou talvez pelas defesas do meu coração. Seria uma história, portanto, que, mesmo refeita, não mais seria completa, já que os desaparecidos fragmentos eram os que guardavam as grafias em negrito.

Em meus voos pelo inalcançável, refleti sobre liberdade. Quantas vezes desejei sumir ou, no mínimo, ir para um lugar onde nenhuma lembrança ou quaisquer vozes poderiam me achar. Um lugar sem mutualismos; com uma paisagem diferente da que servia de plano de fundo para meus contos, conforme se constutia na imaginação de quem lia aqueles manuscritos. Envelhecidos de tanto serem dobrados, lidos e redobrados, mas ainda perfeitamente legíveis. Desejava mudar todo o meu exterior, com molduras novas e uma pintura diferente ao redor.

Ponderei em tom definitivo que, tendo rasgado aquele papel e me escondido num lugar profundamente meu, eu estaria livre. No entanto, esqueci-me por alguns instantes de que eu mesmo havia usado aquela caneta para, em tempos constantes - levando em conta a intensidade do que precisava descrever nas linhas do meu coração -, anotar o que, olhos fora do papel, ecoaria em minha memória, latejando a cada pulsar.

Minhas pupilas se contrairam, como processo inverso ao que ocorre quando nos perdemos em pensamentos. Sim, eu estava de volta. Um forte suspiro e os olhos percorreram lentamente cada recôncavo daquele lugar. O vento, sob um céu nublado e monocromático - assim captava meu olhar a buscar um tom diferente pela janela -, percorria indiferente os lugares que o olhar não concebia; não acalentava como outrora; não trazia uma canção como um dia foi; apenas cumpria seu papel, silencioso, impessoal.

Obervar espalhados os pedaços de uma história, escrita e guardada por mim, agora rasgada de forma que nem uma só frase sequer faz sentido - porquanto não se completa em sua inteira ideia até que o quebra-cabeça daqueles fragmentos seja minuciosamente refeito -, traz-me definitivamente de volta ao meu mundo.

Frustrado, ao reclinar minha cabeça e ajustar o foco dos meus olhos sobre meu colo, percebi o caderno com a folha de baixo da arrancada limpa. Eu poderia escrever uma nova história. No entanto, quando aproximei os olhos da folha vazia e alva, a ponto de escrever a primeira letra que inauguraria um novo tempo, percebi em baixo-relevo a marca das letras escritas na página de cima. Eu a havia arrancado, rasgado em pedaços espalhados, mas marcas do que havia construído - ou escrito - permaneceriam por algum tempo. Folheei para a próxima página e continuei a ver aquela história gravada, ainda que sem tinta, a ressair da superfície natural daquela folha. Mudei para a seguinte... e ainda via. Com menos força, mas ainda via.

Dei-me conta de que, como não poderia arrancar as páginas não escritas da minha vida, teria de conviver com as lembranças de uma passada, mas não esquecida, vivência. Foi quando me apercebi de que minhas emoções nunca me abandonaram. Eram as mesmas ali e pra onde eu fosse. Minha liberdade tratava-se de um conceito ou um estado interior. Independentemente do longínquo lugar para onde fosse, as palavras que escrevi continuariam, pelo menos por um tempo, a ser narradas dentro do meu coração.