quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Liberdades...

Não nos detenhamos mais sobre o conceito de "ir e vir", de caminhar, de sumir, de voltar à hora que desejar... De longe, essa não mais é pra mim a definição de "liberdade". Vai além. Ouvi nesses dias sobre saudade e fui remetido a uma insólita reflexão. "A saudade não está naquela casa, nas roupas, nas fotos... Ela está dentro de você".

Pude olhar pra mim mesmo e lembrar quantas vezes tentei fugir e ser livre desse sentimento que tantas vezes corrói. Busquei senão liberdade. E, mais uma vez, concluí que 'ser livre' não corresponde a 'poder fazer'. Aonde vou, carrego comigo meus sentimentos e, sim, minha liberdade. Ou minha prisão. É quando, como incontáveis vezes na vida, desejamos viajar, sumir e esquecer. O que queremos, outrossim, é ser livre dos sentimentos, das sensacões e tantas vezes das pessoas.

Olhei para trás e desejei ser livre novamente. Desejei gritar e, com um ato, atirar fora tudo aquilo que me encarcerava dentro do meu próprio coracão e, ainda, sob a severa pena dos meus devaneios. No entanto, sabia que somente o tempo poderia me tornar novamente livre.

Tornei, então, a ponderar: o tempo constitui o amor ou o amor constrói o tempo? Sempre decaio para a segunda hipótese. Afinal, a relatividade é definida pela intensidade. E o que torna intensa uma vivência não é o tempo decorrido, mas, sim, a profundidade do sentimento que a gerou. Logo, ainda que temporalmente, ou mesmo racionalmente, perceba-se a curteza, se os sentimentos que lhe deram causa forem alimentados em profundidade, terá sido longo e derradeiro. Essa eternidade pode até não ser física, mas, decerto, habitará inolvidavelmente nas lembranças.

E foram as lembranças que me sequestraram a consciência e a liberdade. E deixaram como dívida a saudade. E, agora, eu precisava do tempo como pagamento de resgate.

O tempo, contudo, fazia-me recordar da liberdade. Tornei-me saudosista e ao mesmo tempo imediatista. Não sabia em que espaço temporal queria/deveria colocar-me. Desejava ser livre. Cumpriria minha pena, pagaria com a dor. Mas não queria abandonar meu crime: a paixão que tem construído meu tempo. Eu a quero comigo. Sofro por vezes pelas injustiças da minha errante consciência. Mas a quero comigo.

A sensatez dos meus pensamentos, enganada pelas paixões e discursos do meu coração, buscou uma saída. Encontrei-a. Eu era livre. Sim, eu era livre. Essa foi a minha sentença. Poderia andar com um coração bandido, antes arrestado, mas agora sob liberdade. Um coração que ainda carrega o delito da paixão proibida, mas livre. Uma liberdade condicional, enfim. Eu era livre, mas queria guardar comigo essa paixão. Tentei viver como livre, mas enquanto guardei esse sentimento, fui punido pela saudade, pelas incessantes lembranças e pela inevitável prisão. Estou preso a ela. Mas ainda quero estar, porquanto é uma prisão que, de outro lado, torna livres e altos todos os sonhos. E continuo a sonhar, livre como o mais poético dos apaixonados.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Um ensaio sobre a (minha) vida

Resolvi reler alguns manuscritos. Estavam sobre a mesa, ainda inacabados. Não por descuido ou, sequer, desânimo. Na verdade, tem sido uma história recapitulada a cada dia. A cada amanhecer, algo novo e surpreendente me leva a ver em um papel, em seguida a alguns longos – ou tão efêmeros quanto a vida descrita na página anterior – minutos, um coração livre interpretado sob as limitadas tentativas das palavras que aqui pulsam.

Li. Apesar da agonia em escrever mais um capítulo (quando achava que já podia ter o ‘grand finalle’ no último que pretendi escrever), a fim de adorná-lo com as ainda não vistas pérolas que despretenciosamente encontrei escondidas e tanto me alegrei, reli o que já havia sido escrito. Com um unico propósito: definir quem sou. Se sou protagonista, coadjuvante ou figurante.

Resolvi, então, prencheer algumas linhas que completam minha realidade. Linhas quase apagadas, talvez pela pressa em manifestar um coração trovejante de sentimentos, mas, feliz ou infelizmente, legíveis. Li. Reli. Entendi que deveria decalcar o que não se podia ler de forma tão viva. E me descobri.

Não precisei de um raciocínio tão apurado para perceber que se tratava da minha história. Eu podia me identificar em cada palavra, ainda que as tivesse escrito inconscientemente. Ali estava meu coração. Ineteiramente aberto. Era eu. Eu era o protagonista. Alegrei-me pela vida gerada. Eram trechos e versos alegres. Naquelas linhas em que a caneta ameacou falhar, pareceu, na verdade, que eu mesmo as quis tornar sem vivacidade – e consequentemente imperceptíveis e imemoráveis.

Claro. Toda história, especialmente as mais românticas, tem - ou devem - carregar um pouco de melancolia. Elas servem de percurso essencial – ainda que se não a deseje ou a rejeite - para o corolário da paixão. Mas eu particularmente não queria lê-la novamente. Eu era o protagonista. Tratava-se do meu próprio coracão exposto pelo que vivi. E reler as dores significava senti-las mais uma vez. Preferi mantê-las em grafias desprezíveis. No entanto, ainda eram legíveis e, involuntariamente, eu as lia. Naquele exato momento, então, percebi que deveria avivar sua cor. Isso me fez entender quem eu realmente era.

Sem me dar conta da surpresa de que não era protagonista - porquanto esta foi prematuramente lançada de lado, já que meus olhos, apesar de tê-la percebido, desviaram-se para quem ensaiava o papel principal no meu coração - redescobri-me. Meus olhos nao viam a mim mesmo. A janela que se abria e permitia, com intenções ignoráveis, uma varredoura luz adentrar e clarear o que por dias estava apagado na escuridão, buscava a imagem de alguém.

Então, compreendi que tudo o que havia se materializado em palavras vinha, sim, do meu coração, mas eu nao era a fonte. Era ela. As águas que via, e até as que não enxergava, mas lutava por senti-las percorrer-me e lavar-me (já não sei se foram reais ou uma mera ilusão psicologica), fluiam das lembranças e sensações que provei, em níveis físicos ou, precipuamente, emocionais com aquela que certificadamente me tomou para si. Era com ela. Era dela. Percebi que o papel principal no meu coração não era meu, mas dela. Era dela o rosto que via; era dela o cheiro que me esforçava para sentir antes de dispersar-se com os ventos do que de novo eu vivia; era dela o toque que, de tão intenso, podia sentir quase palpável na minha pele. Era ela definitivamente a protagonista dos meus inesgotáveis versos. Eu passei a ser o coadjuvante.

Aquela era uma linda história. E eu a relia. Apressadas certezas findavam cada capítulo. E cada vez mais dava-me por certo dos sonhos que brotavam das entrelinhas. Eu entendia. Não importava que ninguem mais entendesse, a não ser o singelo e cativante coração de quem tanto me inspirava. Logaritmos emocionais – pensava eu – que a mente não decodificava, a não ser um coração com as devidas chaves. Era, portanto, o coração dela que eu buscava alcancar.

A arrazoar sobre a vida, sobre a história que se deslanchava naqueles rascunhos, prestei atenção ao cenário, as circunstâncias que se perfaziam em volta do foco do qual meus olhos até então não tinham desgrudado. Ponderei que precisava desenhar as cores de fundo sobre o qual aquele rosto estava detalhadamente esculpido. Busquei o que havia em minha volta e só enxergava o que havia em volta dela. Eu não importava. Já tinha esquecido-me do que estava tão perto, mas temporareamente invisível. Então, vi alguns figurantes.

Com um pouco mais de atenção e reflexão, notei que certos figurantes traziam cores muito vivas, além das que eu previamente imaginara. Depois de descrevê-los um pouco mais, questionei-me se eles eram meros figurantes. Não. Eram coadjuvantes. Certifiquei-me disso quando precisei fazer parte apenas do cenário, num canto, com tonalidades fracas, enquanto os outros ocupavam, juntamente com a minha musa, o enquadramento focal daquela pintura. Eu passei a ser, destarte, um figurante.

Li e reli toda aquela história, não mais ignorando nenhum traço tortuoso de alguma letra inteligível. Parei a cada ponto. Suspirei a cada vírgula. Refleti a cada parágrafo. Inquieto, buscava encontrar derradeiramente meu papel naquela história. Entendi que não podia ser protagonista e, sim, coadjuvante. Mas percebi-me como figurante, pois, mesmo longe da luz principal, ainda fazia parte daquele enredo. Eu era alguem ali.

Ao fim de tudo, no entanto, percebi que não só não disputava um lugar tão perto da protagonista do meu coração, como não mais fazia parte da sua historia, que era contracenada por ela e por quem eu achei que fosse apenas figurante. E os figurantes eram outros. Descobri-me, afinal. Eu não passava de um espectador, que, outrora inteiramente envolvido, agora apenas contava por aí de um lugar privilegiado a história de outrem.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Poemas em Linha Reta (Fernando Pessoa - Alvaro de Campos)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Meus Sonhos: a minha realidade

Acordei. Abri a janela. Vi o Sol. Tudo isso aconteceu como havia tempos não acontecia. Senti-me vivo, alegre, entusiasmado... e, acima de tudo, com o sentimento de realização. Há quanto tempo, afinal, não acordava tão cedo pra... fazer nada! Tomei um bom café da manhã, como também havia esparças lembranças da última vez. Li. Nossa! Fui à estante de livros e, livre e desimpedido (essas são mesmo as palavras que mais se adequam às minhas sensações naquele momento), dei-me o requinte de escolher o que queria ler naquela manhã. Quis ler sobre História. Achava que deveria conhecer mais, intelectualizar-me mais... reviver!

Assim começou esta manhã, que, por mais que tenha sido real, confunde-se com metáforas. Posso descrever a vida, o Sol, a janela que me levou o olhar ao lado de fora - à vida - como a literalidade de um dia que representou o ponto fotográfico ideal de sobre a ponte que me leva ao lugar almejado. Mas, talvez com maior precisão do que o que os olhos definitivamente viram, isso descreve o que acontece dentro de mim.

Acordei. Abri a janela. Vi o Sol. Ponderei viver. Decidi ver o Sol que brilha do lado de fora. Revolvi fugir dos recôncavos que me escondiam das minhas prórprias dores. Por um considerável tempo, refugiei-me na escuridão da minha mente: ideias envelhecidas, experiências já deterioradas pelas traças das tribulações, sentimentos amedrontados... Desejei viver. Renovar ideias, ter algo novo pra contar e, especialmente, ter vida pra sentir. A imagem da dona dos meus olhos, sobre a qual pus os movimentos que a minha memória guardara nítidos de dias de realismo, serviu-me de porta-retrato e inspiração.

Um breve prelúdio sob as silenciosas horas noturnas encarregou-se de gerar o brilho que raiaria logo cedo. Pode-se falar de idealizações; aquelas que desfiamos antes de derradeiramente adormecer... mas, ao mesmo tempo - ou talvez intrinsecamente -, de uma correnteza que, suave, carrega-me sutilmente para o lugar dos sonhos. Ainda me é translúcido se os sonhos me geram vida ou se a vida me gera sonhos. A única certeza é a de que ao toque de cada minuto - o monótono som do ponteiro dos segundos, gritantes pelo silêncio do quarto, já se tornara parte do compasso de cada pensamento que viajava à velocidade da explosão do coração - aquela voz tão doce, cujas perfeitas palavras ecoava viva em minha recente memória, movia sonhos e idealizações.

Sinto-me bem. Sinto-me vivo. Sinto-me completo. Sinto-me realizado. Simplesmente por percorrer um caminho que traz de volta a vida. Ainda sinto falta do toque suave das mãos que me acariciam a alma. Ainda anseio o abraço que me envolve as razões. E pego-me paralisado diante de letras eufóricas e grafias ansiosas; descubro-me anestesiado por cada doce declaração, enquanto dentro de mim, um reboliço sem fim. Mas as janelas abertas me permitem ver o Sol a brilhar intensamente ao horizonte. E sonho. E planejo. E descubro. E desejo. Ao menos até que a viração do dia me leve de volta aos sonhos...

Então, fecho a janela sob a cantaria das estrelas e adormeço, para sonhar com a imagem que, pequenina em minha frente, rega novos pensamentos e sonhos. Durmo para sonhar, apesar de não requerer a inconsciência, porquanto na minha mais clara racionalidade, planejo. Teimo em manter-me acordado, pensando, relembrando e sentindo, mas, assim, adormeço... E sonho. Mas vou-me com a marca de que nesse dia, acordei, abri as janelas, vi o Sol e percebi que tudo é real.